quinta-feira, 4 de junho de 2020

O SUCESSO DA TERAPIA ONLINE


Antes  da  pandemia,  nosso  atendimento   terapêutico realizava-se, predominantemente, no modo presencial e, esporadicamente, no ambiente virtual.


Hoje, com as limitações impostas pelo vírus, as sessões de análise estão acontecendo, exclusivamente, com suporte tecnológico.

Com o tempo, a rotina psicanalítica comprovou a grande EFICÁCIA da terapia ONLINE. Até mesmo entre pacientes que já vinham participando do processo terapêutico presencial, constatamos avanços surpreendentes.

Do conforto de sua casa, através de videochamada do Whatsapp, você terá o suporte profissional de que está necessitando para modificar sua relação dolorosa com a realidade


Ramos de Oliveira
Psicanalista Clínico
Professor de Psicanálise e Palestrante


Email: ramos.talentos@gmail.com
Av. Santos Dumont, 847 - Sala 303 - Aldeota


Fortaleza - Ceará - Brasil

quarta-feira, 9 de maio de 2018

REAL VERSUS NÃO-REAL


Poderíamos iniciar este artigo afirmando que o oposto de real é Irreal. Nem sempre. O conhecimento da "coisa", do "objeto", do "sem nome" somente é possível quando criamos uma representação do que chamamos de real (coisa, objeto...) e lhe atribuímos um nome. É a partir dessas representações que conseguimos estabelecer a comunicação com o outro. 

Se alguém chega numa comunidade, bem primitiva, e faz uma referência a um  pendrive, por exemplo, onde todos desconhecem tal objeto, sem essas representações, não haverá entendimento algum. 

Como compreendermos, então, o não-real? Trata-se, exatamente, da representação do real. Consideremos a perda de um ente querido. Isso é o fato, o concreto, o acontecimento. A intensidade do sofrimento que decorre dessa experiência dependerá da maneira como o sujeito interage com a representação dessa perda. 

Algumas pessoas, diante de situações aversivas, racionalizam, mantêm o controle das emoções e, assim, conseguem redirecionar a vida para um curso de certa normalidade. Outras, porém, consideram que nada mais faz sentido, que a vida acabou, até afundarem em um obscuro quadro depressivo. Esse estado tende a piorar se a pessoa já experimentou situações igualmente adversas.

Esses dois tipos de reações demonstram que o sofrimento humano advém do não-real, e não da realidade que nos rodeia. Isso ocorre porque pensar equivale a ser. Lembrando que o pensamento gera sentimentos e estes produzem sensações, que são expressas através de nossos cinco sentidos. Se pensamos, por exemplo, que somos alguém muito  querido, sentiremos enorme alegria e a consequente sensação de bem-estar. Imagine, agora, o oposto.

Como podemos nos beneficiar com esses conhecimentos? Os benefícios são grandiosos e transformacionais. O real é rígido, concreto, imutável. Não nos é possível alterar uma morte que ocorreu, um registro de desemprego ou o rompimento de um grande amor. Isso é fato consumado. Então, onde agirmos? No não-real, que é plástico, maleável, flexível moldável. Se não podemos mudar o que está fora de nós, onde está o real, dependerá de nós modificarmos o que se processa dentro de nós. 

Pessoas  padecentes de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) transitam em um ambiente psíquico essencialmente não-real. Mesmo assim, suas dores refletem um realismo equivalente às aflições oriundas do real. Como o não-real é uma estrutura mental criada a partir das conexões com o outro mais próximo, geralmente pais ou cuidadores, o tratamento do aludido transtorno consiste no empenho do par analítico (analista e analisando) para alterar essas estruturas patogênicas.

Já que nossa mente é capaz de hospedar visitantes indesejáveis, está também apta a negociar com tais hóspedes a desocupação do espaço para futuras hospedagens, preferencialmente, mais amistosas. Não conseguindo fazer isso sozinho, o amparo profissional abre portas para estados emocionais melhor qualificados.



Ramos de Oliveira
Psicanalista Clínico
Professor de Psicanálise e Palestrante


Email: ramos.talentos@gmail.com
Av. Santos Dumont, 847 - Sala 303 - Aldeota

Fortaleza - Ceará - Brasil











segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

O QUE FAÇO COM ESTE PROBLEMA?



Embora os dois hemisférios do nosso cérebro funcionem de forma integrada, cada um deles incumbe-se de operações específicas. Assim, o hemisfério esquerdo responde pelo raciocínio e se expressa através da linguagem oral, enquanto o hemisfério direito gerencia as emoções e se exprime por meio da linguagem visual (imagem, desenho).


Saber como ambos funcionam nos permite aferir o peso da carga que incide sobre o nosso hemisfério direito sempre que sentimos ciúme, inveja, raiva, ódio, medo, tristeza, alegria, etc. Agora, imagine como ficam nossas estruturas emocionais quando pensamentos intrusivos e catastróficos resolvem acampar em nossa mente, comprometendo nosso sono, nossa alimentação, nossa interação com o outro e até nossas rotinas profissionais. 


Nos estados emocionais patogênicos, aqueles que causam doenças, os pensamentos hostis parecem desabilitar nossas competências racionais, enquanto permanecemos à mercê de circuitos neurais encarregados de realizar a monótona, cansativa e estressante repetição de um sofrimento que nos controla e nos consome. O resultado de tudo isso é uma infelicidade invasiva, oportunista, sedutora e convincente de que nada mais tem sentido.


Calma! Todo problema tem solução, e se não tem solução por certo não é mais um problema. Até porque - entende-se por problema - "o resultado indesejável de um processo". Para lidar com as emoções corrosivas, dispomos do poderoso, analítico, ponderado e investigador hemisfério esquerdo, capaz de discernir o que é real do que é distorção da realidade. 


Quando percebemos que o véu que mistura realidade com fantasia deve ser dissipado, basta acionarmos um dos mais potentes recursos da razão que nos permite questionar: "O que farei com o ciúme que estou sentindo"?, "Como posso gerenciar esse medo que tanto me atormenta"? "De que maneira pretendo manejar esses pensamentos que não passam"?  E assim, deveremos proceder em relação a tudo que nos causar mal-estar.


Você deve estar se perguntando: como essas transformações acontecem? É muito simples. Ora, se os sentimentos são gerados no hemisfério direito, o que vamos fazer com tais sentimentos só é possível se migrarmos do eixo das emoções para o processamento da razão. Pode ocorrer que muitas pessoas permanecem, por longos períodos, ruminando emoções de alta letalidade, porque mecanismos defensivos suspendem nossas habilidades de questionar. Quando investigamos, descobrimos, aprendemos e transformamos.


É por meio dos questionamentos que assumimos o controle da situação. Se não controlamos, tornamo-nos controlados pelas situações. Todas as vezes que isso acontece, trocamos a posição de sujeitos pela posição de objetos. Dessa maneira, é natural que nos percebamos desprovidos de vontade e de vida própria. Aliás, é a perda de controle a condição para que ocorra a formação de um trauma. Com a existência de dois hemisférios, O Designer de Suprema Inteligência, o Criador de tudo, conferiu a todos nós o papel do manejo adequado da polaridade razão-emoção. Caso, sozinho, não esteja conseguindo esse equilíbrio, é prudente, humano e inteligente buscar ajuda profissional.




Ramos de Oliveira
Psicanalista Clínico
Professor de Psicanálise e Palestrante


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Fortaleza - Ceará - Brasil

















domingo, 27 de agosto de 2017

"MINHA VEZ..."





A curiosidade do olhar psicanalítico parece expandir o brilho de nossa retina para iluminar melhor a realidade na qual nos inserimos, até mesmo quando brincando com as crianças. Tenho uma neta, de poucos meses, e dois netos, gêmeos, de três anos. Além de ser um prazer inefável o brincar com nossos pequeninos, os ensinamentos que eles nos dão podem ser a chave que nos permitirá compreender alguns sintomas de sofrimento de determinados pacientes.

Percebi que em quase todas as brincadeiras eles definem a vez de cada um e gritam: "Minha vez". O que mais chama minha atenção é a defesa da oportunidade de um e o respeito por parte do outro, para que o jogo flua e se torne agradável para todos. Embora a diversão seja regida por regras tácitas, é  mais seguro evitar o risco de violá-las. Como bem sabemos, a criança não aceita injustiça.

Quando transmutamos a postura determinada, as regras claras e protegidas e a competência decisória das crianças para  o setting analítico - local onde paciente e analista realizam as sessões - notamos que muitos pacientes perderam, ou jamais tiveram, o comando de sua vida. "Não sei o que fazer", dizem uns; "Ninguém pode me ajudar, nem mesmo você", resignam-se outros. Há queixas frequentes de que certos pais, ou cuidadores, minaram qualquer possibilidade de autoconfiança. Gravíssimo, ainda, é terem incutido, na criança,  a crença de que ela só serve para atrapalhar. 

Esse discurso devastador rende ao adulto um estado de letargia, de imobilidade, de inadequação ao convívio com aquele que deveria ser o semelhante, o próximo. Ao contrário, o outro se torna um estranho, evitável e distante. Muitos têm a sensação de inutilidade e, embora  tenham uma boa qualificação profissional, não conseguem desfrutar do que investiram na própria formação. "Sinto-me perdido sem enxergar saída alguma", condenam-se. Há quem se declare incapacitado para prosseguir ou mesmo retroceder.

Note-se que a postura desses pacientes é bem diferente da dos meus  netos. Eles, tacitamente, definem regras, esperneiam se alguem quebrar o contrato e aguardam apenas o tempo suficiente para que o outro jogue. Se o jogo perde a graça, escolhem outro. E, assim, vão fazendo do tempo livre uma festa. Para elas, alegria não tem intervalo.

Se, em sua vida, o jogo fez um intervalo que parece não ter fim, ou se seque começou, talvez tenha chegado o momento de procurar o suporte de um profissional que decodifique os comandos inconscientes que escondem de você a fascinante experiência de EXISTIR!

Ramos de Oliveira

Psicanalista Clínico

Professor de Psicanálise e Palestrante

Email: ramos.talentos@gmail.com

Av. Santos Dumont, 847 - Sala 303 - Aldeota

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Fortaleza - Ceará - Brasil






domingo, 11 de junho de 2017

ARTIGO MONOGRÁFICO




 SOCIEDADE CONTEMPOÂNEA DE PSICANÁLISE – SCOPSI

Francisco José Ramos de Oliveira

ÓDIO E CULPA DOS FILHOS NAS RELAÇÕES PARENTAIS


Fortaleza – CE - 2016


Artigo científico apresentado à Sociedade Contemporânea de Psicanálise – Scopsi, como requisito para a conclusão do Curso de Formação em Psicanálise, da Sociedade Contemporânea de Psicanálise.

DEDICATÓRIA

Dedicamos este trabalho aos nossos pacientes, que se permitiram compor a formação de par-analítico, para mostrar as feridas abertas em suas almas pelas lâminas afiadas das palavras, das atitudes e das não-atitudes.

AGRADECIMENTOS

A Deus, por nos posicionar numa escala de amor que favorece a percepção do outro, não como um sujeito doente, mas como um ente que se fragmentou e continuou acreditando que pode reintegrar-se para ser feliz.
A quantos expuseram seus postulados, através dos quais organizamos verdadeiras incursões aos recônditos do psiquismo humano, para decifrar a enigmática rota das queixas de cada um.

A minha família, que compreendeu e valorizou os prolongados momentos que necessitei isolar-me para pesquisar, produzir novos saberes e disseminar um conhecimento que, se não se apresenta ineditismo de conteúdo, prima pela elegância da forma, da objetividade e da coerência.

"Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana".

Carl Gustav Jung


APRESENTAÇÃO


A produção deste artigo cataloga maneiras diferenciadas de expressão dos conflitos nas relações parentais, suscitados por equívocos de pais que apenas obedeceram, irrefletidamente, aos padrões mentais herdados da linha genealógica, pródiga em insegurança, traumas, medos, repressões, recalques, dentre muitos outros sofrimentos transmitidos aos filhos.
Enriquecido com inestimáveis postulações de autores renomados, produções de artista, de poetas e até mesmo de ensinamentos dos saberes empíricos, este trabalho ganhou robustez a partir dos relatos de pacientes menores de idade até pacientes maiores de sessenta anos. Foi nesse público, que foram constatadas as falhas dos pais, o ódio e a culpa dos filhos e uma intrincada engenharia psíquica funcionando em busca de estratégias que protejam o ego de pais e filhos das insuportáveis dores dos relacionamentos cotidianos.
Talvez estejam sendo abordadas questões já postas por outros profissionais, contudo, a singularidade do que se pretende oferecer apresente-se na forma como se percebe os relatos dos pacientes, como são assimilados e convertidos em novos conhecimentos.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 8
2. ÓDIO E CULPA DOS FILHOS NAS RELAÇÕES PARENTAIS 9
2.1 A Compreensão Restaura os Vínculos Corrompidos 10
2.2 A dinâmica das emoções 11
2.3 Mudanças internas modificam o mundo externo 13
2.4 Proteção perigosa 15
2.5 Rastros funestos do pai 18
2.6 Sem lugar para nascer 19
2.7 Vínculos indesejáveis 22
3. CONCLUSÃO 25
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 28


1. INTRODUÇÃO


Das aulas do curso de Filosofia ficou guardada a fascinante dialética que ansiava por encontrar um conceito de ser humano capaz de satisfazer as correntes de maior expressividade do universo filosófico. Mas logo ficou esclarecido que a subjetividade e os contornos intelectuais de cada pensador inviabilizavam um conceito unificado do objeto em questão.

Sem o confronto subjetivo de postulados filosóficos, foram organizados e comparados os relatos de pacientes que procuram o psicoterapeuta persuadindo-o de estar diante de pessoas que sintetizam em si mesmas experiências vivencias por seus pais ou cuidadores. Os filhos são, grosso modo, um “produto” elaborado com a matéria prima extraída do cotidiano daqueles com quem interagem de forma mais próxima. É nítido o ciclo de atualização e repetição dos padrões mentais.

Inconscientemente, os genitores transmitem à sua progênie as próprias inseguranças, medos, traumas, repressões, recalques, enfim, as suas particularidades. Enquanto cresce, a criança vai percebendo e assimilando esses estados emocionais e, a partir deles, definindo a autoimagem. Esse processo interfere no desenvolvimento de pessoas que têm uma imagem depreciada de si mesmas ou em indivíduos autoconfiantes. Aqueles que duvidam do seu potencial desbravador e renegam a dignidade de serem felizes erguem muros entre si e os outros e, em muitos casos, minimizam seu prestígio até com a divindade devocional. 

Por outro lado, pessoas que foram preparadas para vencer acreditam que o sucesso está sempre ao alcance de suas mãos, além de se sentirem predestinadas a vencer. “Minha mãe sempre dizia que sou bonita, inteligente e vitoriosa em quaisquer desafios”, comenta uma famosa atriz brasileira. É bem o que nos ensina o Talmude, o livro sagrado dos judeus: “Nós não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos.”

Os que são escalados no time dos perdedores responsabilizam seu pai ou sua mãe e, muitas vezes, ambos, pelas derrotas que sofrem. Mesmo sem admitirem, esses filhos nutrem um grande ódio pelos pais, ao mesmo tempo em que se consomem de culpa por abrigarem sentimento tão corrosivo. Alguns pacientes questionam a adequação do termo ódio, utilizado para exprimir a hostilidade que arrefece determinados relacionamentos parentais. Nesses casos faz-se necessário explicar que o ódio, ao contrário do amor, desagrega, isola, infelicita e estimula a agressividade. 

O amor, por seu turno, une, fortalece, suscita alegria e uma enorme sensação de bem-estar. Esses filhos nem se dão conta de que esquecem datas de aniversário, de falecimento; preferem vê-los fora de casa e consideram um inferno tê-los por perto. Alguns chegam a dizer que o propósito maior de seus pais é a destruição completa de suas famílias. É por tudo isso que a palavra ódio é apresentada como um tradutor eficaz para os níveis de animosidade que aparta pais e filhos.

2. ÓDIO E CULPA DOS FILHOS NAS RELAÇÕES PARENTAIS

          Quem atua na clínica psicanalítica jamais pode dizer que já escutou de tudo. Quando os filhos se referem aos pais, deslizam de um extremo a outro, desnudam suas almas e relevam um mapa pontilhado de todas as impressões registradas ao longo da convivência, desde a fase intrauterina até às últimas interações. Algumas dessas impressões beiram à idolatria, enquanto outras, às chamas mordazes dos ressentimentos.

Alguns se queixam do colo que lhe faltou, pois pertenceu somente aos irmãos e continuam, mesmo adultos, obcecados, infantilizados e errantes em busca do colo que não encontram. Esses filhos tendem a desenvolver sentimentos de desamparo, autorrejeição, mediocridade, insegurança, ciúme, fracasso etc. Podem apresentar, ainda, sintomas de inadequação social por causa de sua agressividade aparentemente imotivada. Será que alguém é capaz de imaginar - só de imaginar - o que um filho, nessas condições, sente pelo pai ou mãe que o privou das indispensáveis expressões de carinho, afeto e proteção? Porque sentir é um atributo exclusivo de quem vivencia uma experiência.

Outro grupo de filhos sofreu, ou ainda sofre, verdadeiros bullyings  dentro de casa, perpetrados pelos pais através de distintas formas de ameaças - chantagens emocionais, barganhas morais, omissão de socorro, violência física ou psicológica e indiferença generalizada. Muitos desses filhos, às vezes de pais já falecidos ou separados, acreditam que as pessoas os estão censurando a todo o momento e preferem o mínimo possível de exposição para se prevenir de punições decorrentes de falhas que porventura venham a cometer.

Esses filhos, normalmente, responsabilizam o pai ou a mãe pelas sucessivas vezes que são infelizes no amor; pelo medo de tentarem oportunidades no mercado de trabalho e resultarem em fracasso; pela inibição de se tornarem pais e repetirem tudo o que abominam em seus genitores, bem como por todos os desatinos e decepções já experimentados. 

Como resposta inconsciente a tudo isso, ouvimos relatos de filhos que esquecem o aniversário dos pais. O dia de finados também só é lembrado muito tempo depois. Só de uma coisa não esquecem: o desejo de ver esses pais sempre distantes - "conviver com meu pai é um verdadeiro inferno. Vivo como se não tivesse pai", recorda com tristeza determinada paciente. "Minha mãe faz de tudo para me controlar e me anular", queixa-se outra. “Meu pai nunca perdeu uma chance de me humilhar na frente dos meus amigos e afirmar que eu era um incapaz", desabafa um paciente, atormentado pela crueldade do pai.

2.1 A Compreensão Restaura os Vínculos Corrompidos

E, agora, o que fazer diante desse ambíguo universo relacional de ódio, culpa e amor? É inegável o conflito de quem tem que hospedar dentro de si estados emocionais tão contraditórios, onde filhos, ao mesmo tempo em que amam seus pais odeiam o tratamento que deles recebem e, ainda, se culpam pelo ódio que sentem. Como atravessar esse pântano de sofrimento? 

Antes que de se compartilhar uma fórmula bastante eficaz para a superação desses embates e dores, precisa-se esclarecer que o processo de aprendizagem resulta da observação e da repetição. Ora, se o equívoco dos pais dá-se por conta do que aprenderam com seus pais, como o jeito certo de educar, é indispensável que os filhos compreendam essa situação, formulando dois questionamentos: investigar como seus pais foram criados e, em seguida, perguntar a si mesmos “será que eu, passando o que eles passaram, agiria do mesmo modo?”

Respostas sinceras e objetivas a essas indagações contribuem, efetivamente, para o desenvolvimento de posturas de compreensão do comportamento desses pais que se enganam quando agem esperando acertar, mas comentem estragos reparáveis somente através de um efetivo processo psicanalítico. Nesse caso, pais e filhos necessitam de psicoterapia para que a felicidade da família possa florescer e os pais, antes odiados e causadores de tanta culpa, transformem-se em admiráveis ídolos de seus filhos.

Fazer a transposição dos sentimentos adversos dos filhos, pelos canais da compreensão, exige do psicoterapeuta competências multifocais que auxiliem esses filhos a ampliarem os conhecimentos de si mesmos e também do outro. Para alcançar tais objetivos, um dos métodos de grande eficácia consiste na conjunção dos aparatos cognitivo-comportamentais dos pacientes, que são desafiados a analisar as informações estocadas em suas memórias, dar-lhes um novo significado e elaborar as mudanças a partir de percepções diferenciadas  da realidade, apresentando, portanto, novos comportamentos.

2.2 A dinâmica das emoções

Por que sentir raiva de alguém? Seria antinatural essa raiva? Peca-se quando a raiva que se sente é dos próprios pais? Segundo esclarece Gilberto Katayama, médico clínico geral, em seu artigo Mudança de Padrões de Consciência, publicado pela Revista Psique, nº 112, "os conhecimentos adquiridos pelo estudo da Neurociência permitem visualizar o comportamento humano de uma forma muito simples e de fácil compreensão”.

Sabe-se que existem três áreas no sistema nervoso central atuando no processamento psicológico das informações enviadas ao cérebro pelos órgãos do sentido.  Tem-se o sistema reptiliano, responsável pelo instinto de sobrevivência, um sistema que mantém o indivíduo vivo e em estado de alerta sobre os perigos. É ele que faz a pessoa tirar, imediatamente, a mão ao tocar em uma chapa super quente ou gelada. 

A outra área é o sistema límbico, onde estão registrados os sentimentos de conforto e desconforto. Ali também se instalam os sentimentos básicos do medo, da raiva e da tristeza. Nesse espaço ficam arquivadas as emoções, a inteligência emocional, respondendo também pelos comportamentos instintivos, pelas emoções profundamente arraigadas e pelos impulsos básicos, como sexo, ira, prazer e sobrevivência.

A última área é o sistema neocórtex, responsável por atribuir significado aos fatos vivenciados. É a área da mente racional que permite o relacionamento com o mundo exterior de forma lógica. É o campo onde os processos cognitivos acontecem, onde a realidade é reconhecida e compreendida dentro de um processo lógico ditado pelas regras estabelecidas pela convivência e interação social. A área da inteligência racional. Segundo Gilberto Katayama, “a função primordial dessas três áreas é manter a integridade física, emocional e mental, atribuindo significados, reagindo emocional e sensorialmente por meio dos comportamentos reativos”.

 Considerando-se que o objetivo maior desse trabalho é entender como o sistema cérebro/mente processa as informações provenientes do meio externo e reage criando comportamentos, a fim de se compreender melhor o que uma pessoa sente, é relevante saber que "existem dois tipos de comportamento: o reativo e o assertivo. O comportamento reativo pode ser subdividido em agressivo, como reação ao sentimento de raiva; passivo, como efeito do medo e da tristeza, expresso na atitude de fuga ou desistência; passivo-agressivo, o comportamento da manipulação do meio ou das pessoas, em resposta ao sentimento de medo associado à raiva. 

O assertivo, quando é a atitude do adulto centrado que se posiciona diante do mundo consciente da sua verdade e ao mesmo tempo posiciona essa verdade perante os outros. É o indivíduo que está consciente do que está sentindo, vendo, percebendo e fazendo. Está consciente do que está dentro e fora de si e escolhe que atitude tomar. Age orientado pelos princípios da integridade, honestidade e verdade. A assertividade vem associada à proatividade e à ética do caráter. 

A reatividade, por sua vez, nada mais é do que a expressão inconsciente da reatividade aos estados internos dos sentimentos básicos da raiva, do medo e da tristeza, que fazem parte da natureza humana, assim como os comportamentos reativos e assertivos".
À luz das formulações científicas acerca de como se processam os sentimentos de raiva, por exemplo, na rede neural, entende-se que toda manifestação de raiva origina-se em instâncias inconscientes como resposta a estímulos recebidos no decurso de toda nossa existência. Embora sejam meras respostas, não imunizam a pessoa das responsabilidades de seus atos, mas a isentam de qualquer culpa, porque, se houvesse algum culpado, seria aquele que deflagrou o estímulo e não o que respondeu. 

No entanto, deve-se lembrar das circunstâncias, dos credos e dos padrões mentais de quem antes suscitou as respostas. Então não existem culpados? Sob a ótica psicanalítica, pode arvorar-se de culpado quem premedita uma ação com o nítido propósito de impingir sofrimento em outra pessoa, consciente de que foi cauteloso na perpetração do mal que pretende causar. Julga-se prudente afirmar que o ser humano, livre de quaisquer disfunções mentais, será sempre o responsável por todas as ações a que venha empreender.

2.3 Mudanças internas modificam o mundo externo

As sábias avós sempre ensinaram que "saco vazio não se põe em pé". Mesmo desconhecendo os imperativos científicos do que estavam afirmando, elas preconizavam o determinismo dos padrões mentais no comportamento reativo de todos. Já se sabe que os ingredientes reagentes encontram-se no interior de cada ser humano, incorporados por assimilação todas as vezes que se reage com o outro. É isso que nos mantém em pé, sempre que recebemos, ou arqueados, quando perdemos a conexão com as pessoas de nossos círculos sociais. Por falta dessa compreensão, permanecemos congelados na expectativa de que nos seja possível realizar mudanças significantes no ambiente que nos circunda.

Novamente, nos valemos do que pensa Katayama para sustentar que "poucas pessoas estão conscientes de que experimentamos a vida (mundo exterior) a partir do nosso mundo interior. A maioria acredita que a forma como percebe o mundo exterior é a única realidade. Assim, pensa que a qualidade de vida depende das mudanças que ocorrem no mundo exterior e passam uma vida tentando mudar o mundo. Mal sabem que o segredo do sucesso e da felicidade está no despertar consciente para sua realidade interna, para a autoconsciência. A consciência de quem, verdadeiramente, somos nos proporciona o pleno exercício do poder da escolha: do que queremos, com quem queremos conviver, onde queremos estar e, principalmente, o que queremos fazer, visando ao nosso bem-estar e o bem-estar dos outros".

No final do parágrafo anterior, Katayama alude à instância apoteótica do crescimento humano quando vincula a autoconsciência ao poder de escolha. Vale a pena reprisar a agenda das escolhas a que ele se refere: "o que queremos, com quem queremos conviver, onde queremos estar e, principalmente, o que queremos fazer". Alguém tem algum prazer em conviver com quem lhe maltrata? Existe satisfação maior para uma pessoa do que estar no lugar que ela sonhou? Existe alguma coisa mais gratificante do que realizar algo que proporciona prazer? 

Todos esses questionamentos só reforçam a noção de que o psiquismo humano é regido pelo principio do prazer, mas completamente refratário aos apelos do desprazer. A gratificação obtida no sadomasoquismo tipifica, simplesmente, a diagnose do transtorno específico. Com toda essa massa de informações, se devidamente elaborada pelo sujeito, torna-se plenamente possível a visualização de uma das vertentes do fluxo da reação: Ameaça-raiva – agressão; medo-tristeza – passividade (fuga/desistência); medo-raiva – passivo-agressivo (manipulação). 

O final desse itinerário culmina com a rejeição, o isolamento e o conflito. Se alguém rejeita o próprio peso, por exemplo, a tendência é ele ser ignorado, enquanto direciona sua atenção para os conflitos advindos dessa rejeição. O mesmo ocorre quando se rejeita uma pessoa. Todos os sentimentos, para quem os sente, são reais, humanos e devem ser respeitados. Rejeitar esses sentimentos é sempre temerário e motivos de muito sofrimento. Contudo, o desgaste do relacionamento não poderá saltar do conflito para o confronto, onde a imprevisibilidade do que venha a acontecer, geralmente potencializa danos irreparáveis.

2.4 Proteção perigosa

Quando os pais reconhecem a própria impotência diante da inclinação delinquente de um filho, poderão desenvolver um comportamento passivo, como efeito do medo e da tristeza, expresso na atitude de fuga ou desistência. Uma paciente confessou que a mãe se vendo desprovida de coragem para enfrentar a situação ou dela fugir, considerou menos acintoso adotar um comportamento passivo-agressivo, expresso em forma de manipulação do filho, tratando-o como uma pessoa doente, a quem, para compensar, tudo era permitido. O filho, nessa situação e bem longe da ficção, costumava tratar a numerosa legião de irmãos com requintado manejo de crueldade, provocando até lesões corporais. Uma das irmãs, completamente indefesa e vítima predileta dos atos de perversidade, queixava-se à mãe do que sofria, mas a mãe também preferia ignorar o que ouvia e não dar a mínima atenção à filha aterrorizada.

Como você acha que essa filha se sentia diante da omissão de sua mãe? "Nunca entendi porque ela protegia um filho enquanto abandonava uma filha", questiona a filha. "Será que é porque sou mulher? Por que ela só gosta dele? Sou uma filha tão ruim assim? Precisava me anular desse jeito? Teria ela motivos para me rejeitar dessa forma?" Atualmente, já adulta, essa paciente empenha-se para compreender os próprios sentimentos, o comportamento da mãe, as atrocidades do irmão e a imagem derrotista que tem de si mesma. Hoje, ela admite que na aparente omissão da mãe, hibernava um esforço inconsciente para não conhecer toda a verdade acerca da índole truculenta do filho. De fato, a mãe desenvolveu um mecanismo de autodefesa para mitigar o próprio sofrimento.

Enquanto a mãe lutava para se proteger, descuidou-se do que se passava com a filha, que desejava desesperadamente subir em seu colo para receber o aconchego, o carinho e a proteção de que tanto necessitava. Frustrada, a filha foi crescendo consumida pelo ódio ao irmão e uma mágoa profunda da mãe, bem como um devastador sentimento de culpa. Essa culpa persistirá até que ela aceite a raiva/mágoa como algo natural, segundo esclarecimentos neste artigo, que vai se arrefecendo na medida em que os níveis de autoconhecimento e do outro alcançam marcas mais elevadas. 

Sendo a culpa um processo tão corrosivo, neste caso, a idade avançada da mãe e uma eventual proximidade da morte robustecem o peso da dor. Normalmente, queremos guardar de quem morreu somente lembranças boas. Seria possível? A morte não consegue aplacar os registros impressos em nossa memória. Nada consegue. Um bom acompanhamento psicanalítico proporciona o que Bion chamou de crescimento mental, referindo-se à possibilidade de o paciente recuperar a capacidade de gerenciar suas emoções, notadamente aquelas que lhe tolhem a alegria de viver. Entende-se melhor essa situação avaliando-se a sabedoria manifesta no provérbio que nos ensina que há três coisas na vida impossíveis de voltar atrás: "A palavra proferida, a flecha arremessada e a oportunidade perdida."

"Hoje, me sinto prejudicada. Não tenho filhos, marido, uma situação estável. Não consigo amar ninguém, do mesmo modo que não acredito que alguma pessoa possa interessar-se por mim", desencanta-se a paciente. Com o mínimo de esforço, percebe-se que ela se auto-descreve como um ser estéril, oco, vazio, desprovido de sonhos, emoções, esperanças. "Se não mereci os cuidados de minha própria mãe, quem mais se importaria comigo?", indaga. Por diversas ocasiões, a paciente teceu comentários duvidando da felicidade vivenciada por outras pessoas - "essa felicidade é só aparente", afirma. Quando se considera que o ser humano é ativado por credos - constitutivos de seus padrões mentais - e que se identifica com a palidez do fracasso, congelam-se todos os sonhos da humanidade. 

Por falar em sonhos, poucos artífices das artes foram tão gentis ao se referir aos sonhos quanto Charles Chaplin - “Nunca se afaste de seus sonhos, pois se eles se forem, você continuará vivendo, mas terá deixado de existir.” Não se sabe que significado Chaplin quis dar à palavra "existir". No entanto, o verbo existir deriva dos étimos latinos ex, para fora + sistere, direito de ser, o que está de acordo com a conceituação de impulso para existir, depois empregada por Bion, que cunhou a seguinte frase: "Em algum lugar da situação analítica, sepultada sob massas de neuroses, psicoses e demais, existe uma pessoa que pugna por nascer. O analista está comprometido com a tentativa de ajudar a criança a encontrar a pessoa adulta que palpita nela e, por sua vez, também mostrar que a pessoa adulta ainda é uma criança". No mesmo diapasão, Winnicott enfatizou bastante “a necessidade de a pessoa sentir que está existindo, vivendo, e não, unicamente, sobrevivendo”.

Acredita-se que essa mãe jamais vislumbrou o que aconteceria com a filha por causa do medo de enfrentar a realidade que envolvia o filho violento. Que ensinamentos pais e cuidadores podem extrair do que ocorreu nesse lar? A resposta é óbvia. Enfrentar a verdade, mesmo que dolorosa, para poder acolher as queixas dos filhos, tornando-os capazes de se sentirem importantes, valorizados, integrantes de um precioso núcleo familiar, onde a liderança dos pais estabeleça limites aos filhos, justiça e as condições mínimas de segurança para a convivência social. 

Há uma questão interessante levantada pela paciente: "Por que todos sofreram a brutalidade do meu irmão e só eu adoeci de forma tão grave?" O histórico de vida de cada pessoa a torna um ser único, específico, individual e, portanto, incomparável. Nas poéticas palavras de Carlos Drummond de Andrade entende-se melhor o que isso quer dizer: "Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa. Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é estranho e ímpar". A própria Natureza cuidou para distinguir uma pessoa de outra, singularizando a íris a as impressões digitais de cada ser humano.

Como é possível que se conheça as idiossincrasias do outro e as especificidades de cada um, se os comportamentos reativos, inconscientes, incitam parcela expressiva das atitudes que se assume o tempo todo? Por não ser tão simples o acesso ao ambiente secreto de cada ser, pode-se, pelo menos, conhecer a estrutura mental que organiza o ordenamento dos fatos que se vivencia e seus respectivos registros na memória. O modo como isso funciona faísca nos ensinamentos do já conhecido Gilberto Katayama: “O que é importante saber é que desde o momento da concepção, passando pelo nascimento, infância, adolescência e até hoje, vamos armazenando na memória essas experiências conforme as vivenciamos. Sentimentos, sensações e significados atribuídos e comportamentos, sejam eles reativos ou assertivos.

E a cada novo estímulo recorre-se a essas memórias, regride-se de forma inconsciente e adapta-se a reatividade ao momento presente. Portanto, se a memória revisitada foi de um comportamento reativo, a atitude será reativa. Na realidade, volta-se, inconscientemente, a agir como crianças. É por isso que quando se observa dois adultos brigando eles parecem duas crianças. Na realidade são, inconscientemente, duas crianças, pois estão regredidos e não sabem. 

Uma informação importante é saber que quanto mais intensamente vivencia-se uma dor e um sofrimento, seja uma situação de medo intenso ou de uma raiva incontida, uma tristeza profunda ou até mesmo momentos de intensa alegria, que esses registros ficam guardados na memória e, na mesma proporção, podem ser eliciados numa situação qualquer. É essa a explicação para as explosões emocionais incontroláveis, tristeza profunda sem uma causa aparente e mesmo um medo avassalador sem um sentido lógico. Na verdade, tudo isso se torna evidente quando alguém é submetido à pressão e ao estresse intenso. “Nessas situações, os sentimentos são expulsos e a memória regressiva é acionada, inconscientemente”.  

2.5 Rastros funestos do pai

Por diversas vezes, neste mesmo artigo, afirmou-se que a bússola do psiquismo alinha-se com os padrões mentais que vão se solidificando a partir das sucessivas experiências do sujeito e determinando o modus operandi de cada um. Alheios à força dessas interferências, muitos pais interagem com a família (esposa e filhos), especialmente com as mulheres de casa, como se estivessem em um campo de batalha, disposto a derrotar o inimigo. E, normalmente, conseguem. “Parece que a meta do meu pai é destruir a família”, pontuou uma pacientes. Um pai, revestido com essas características, tende a humilhar a esposa por meio de traições para convencê-la de que tem o poder de conseguir parceiras melhores; suas filhas são desqualificadas e ultrajadas até se sentirem indignas do menor vestígio de respeito e indignas de experiências amorosas.

Qual o resultado de tudo isso? Com pouca margem para surpresa, a expectativa prevalecente é um grande número de mulheres inseguras, infelizes, ciumentas, controladoras e de muita instabilidade nos relacionamentos. Ao considerarmos que o ser humano prioriza o prazer em tudo que faz, as perdas regulares de parceiros que se sentem privados de gratificação por causa de relacionamentos inférteis podem culminar em constantes separações, convivência indesejável ou resignações castradoras, em que os parceiros continuam vivos, mas sem uma existência de que possam se orgulhar. 

Essas mulheres, mesmo muito atraentes, inteligentes e, eventualmente, bem-sucedidas, lutam para encontrar o amor de suas vidas. As dificuldades começam a surgir quando o amor, que floresce somente à sombra da liberdade e da igualdade, é confundido com a gaiola que só permite enxergar a beleza do mundo sem dele nada desfrutar, a não ser o infindável desejo de voar. 

Uma ótima tradução do que ora afirmamos encontramos em extratos da música Maçã, de Raul Seixas, quando diz: “O amor só dura em liberdade, o ciúme é só vaidade. Sofro, mas eu vou te libertar”. E quando o assunto é amor, os poetas afinam o tom para que o coração siga o compasso da mesma nota. Foi assim que Alceu Valença, em Romance da Bela Inês, escreveu: “E o amor se conquista passa a passo; o ciúme é a véspera do fracasso e o fracasso provoca o desamor”. Nota-se que os dois artistas atribuem ao ciúme uma energia capaz de arremessar o amor para bem distante das almas que se buscam.

2.6 Sem lugar para nascer

Imagine uma gravidez estimulada apenas pela avalanche libidinal que segue seu curso, inexoravelmente, até diluir-se na quietude sensorial do prazer. Afora isso, todo o contexto psicossocial e familiar gira no sentido oposto – conflitos recorrentes do casal, união desaprovada pelas famílias e nenhuma estrutura instalada que favoreça o nascimento e o desenvolvimento de uma criança. 

Como se conceber o relacionamento desse filho com a família, sobretudo com a mãe que, efetivamente, o assumiu? Provavelmente, de muitos desentendimentos, cobranças implacáveis, confrontos constantes, provocações diuturnas e uma onda cíclica de tréguas e retorno ao novo curso de sofrimentos. E essa mãe ainda pode agregar dificuldades relacionais com o próprio pai. Mais uma vez, testifica-se a repetição de um ciclo que gira até que um rigoroso processo psicoterápico capacite o sujeito a fazer a transição de comportamentos reativos para comportamentos assertivos.

É doloroso acompanhar o desespero dos pais diante da hostilidade de seus filhos. Os pais, de melhor autoconhecimento, compreendem a herança transmitida, culpam-se pelos “erros” cometidos e têm consciência de que nenhuma transformação ocorrerá sem que, antes, passem, eles mesmos, por profundas modificações no jeito de como se apresentam aos filhos. Assentimos plenamente com William James quando diz: “A maior descoberta da minha geração é saber que qualquer ser humano pode mudar de vida, mudando de atitude”. 

Como referenciais que somos - nós pais -, ao alterarmos os protótipos, é natural esperarmos mudanças também nas cópias que produzimos a partir das matrizes em que nos tornamos. Mesmo desconhecendo a autoria do pensamento, a seguir, reputamos oportuno citá-lo: “Ensinamos com o que sabemos e educamos com o que somos”. E como se dá o processo em que os pais se revestem de matrizes? É muito simples. Aprendemos pela observação e pela repetição. Pais ou cuidadores são os primeiros modelos que a criança conhece e de quem assimila os comportamentos que não são ensinados, apenas aprendidos. Esses comportamentos funcionam como mapas mentais que orientam as escolhas do sujeito.

A dor é algo tão pessoal, tão particular, que  qualquer esforço para o exercício da empatia não é suficiente para sentir, exatamente, o que outro está sentindo. É bem verdade que os pais sofrem com a distância que o ódio dos filhos delimita entre eles. Todavia, é igualmente angustiante observar filhos sendo devorados pela impressão de que grande parte de seus familiares, e até outras pessoas, os odeiam. Alguns filhos, sob completo desespero, perguntam: “E, agora, o que faço de minha vida?” “Para onde vou?” “Em casa, não tenho para quem apelar”. 

Essas indagações são, geralmente, de filhos menores de idade que se veem, momentaneamente, sem chão, sem colo, sem lar. A essa altura, as pessoas não acreditam mais em reconciliação e consideram o poder restaurador do perdão apenas uma forma menos abrasiva de homologarem o abandono. Tudo isso acontece mesmo existindo o comprometimento dos pais de proverem as necessidades tangíveis desses filhos. Muito preocupado com esse tipo de contexto familiar, favorável à dilapidação de seus membros, o escritor, cantor e compositor Pe. Zezinho inseriu uma estrofe inteira na música Utopia para apontar o itinerário de uma família feliz - “Há tantos filhos que bem mais do que um palácio, gostariam de um abraço e do carinho entre seus pais. Se os pais amassem, o divórcio não viria. Chame a isso de utopia, eu a isso chamo paz”.

Freud produziu vasta reflexão acerca do Princípio do prazer-Desprazer, que é o desejo da gratificação imediata e a busca obstinada para evitar a dor. Apesar desse axioma freudiano, poderíamos enumerar relatos intermináveis de pacientes acomodando-se ao sofrimento e à infelicidade, considerando-os uma situação normal, aceitável e compatível com a convivência humana. “Basta a gente se acostumar, que dá pra ir levando”, aquiesce um paciente que nem completou a maioridade ainda. Chama-se esse grau de transigência de Síndrome do Sofrimento Aprendido, um efeito da unidade dos sistemas reptiliano, límbico e neocórtexiano para garantir a sobrevivência do ser humano em situações que comprometem sua segurança. 

Mas Freud não pensou apenas no Princípio do Prazer. Concomitantemente, o criador da Psicanálise intuiu o Princípio da Realidade, “que tem como propósito obter prazer através da realidade, fazendo uma alteração real da mesma, para que enfim se possa obter prazer”, segundo Maria Cristina Possatto, Psicóloga e Psicanalista. Cristina assegura que “...toda neurose tem como resultado e, provavelmente, como propósito arrancar o paciente da vida real, aliená-lo da realidade – os neuróticos afastam-se da realidade por achá-la insuportável, no todo ou em parte”. A noção de neurose ganha maior nitidez ainda nas palavras de Cristina ao afirmar: “O que torna um sintoma incompreensível não é exatamente a rejeição ou distorção clara e óbvia da realidade? A pessoa que sofre de anorexia, embora magra, não se enxerga assim; o deprimido, que embora com qualidades, se enxerga empobrecido; o fóbico, que embora sem nenhum risco aparente, enxerga enormes perigos e por ai vai...”. 

2.7 Vínculos indesejáveis

Filhos enlaçados por vínculos parentais tingidos de sofrimento costumam dizer que se sentem porta-vozes do genitor com quem mais entram em conflito. Não deveria ser o contrário? Talvez, aí, prevaleça a máxima de que “do certo ninguém se lembra; e do errado ninguém esquece”. O fato é que ouvimos, com freqüência, pacientes dizerem: “Parece que existe uma cola me ligando às atitudes constrangedoras de minha/pai. Até me esforço para lembrar suas qualidades, mas só aparecem os defeitos”, lamentam-se.

 Dentre os filhos que se alojam nesse grupo, muitos perderam a confiança na instituição família e não admitem gerar filhos, temendo a perpetuação do sofrimento pelo qual passaram. “Família só atrapalha”, afirmam. Não raro, esses filhos comparam as próprias relações parentais com os relacionamentos que os amigos mantêm com seus pais e se percebem em desvantagem. Essas constatações ratificam a imagem oxidada que têm de si mesmos e se inclinam para um distanciamento ainda maior da rala conectividade entre esses filhos e seus pais.

Nota-se que a culpa sentida pelos filhos mantém estreita relação com a finitude dos pais. Ninguém admite que a morte interrompa a esperança da reconciliação, da felicidade e do sonho de experimentarem um grande amor. Seria essa preocupação um indicador de que existe um desejo inconsciente de todos os filhos de se orgulharem da figura paterna/materna? Aqui vale lembrar das formulações do Princípio do Prazer. Ora, se todos se entregam ao curso do rio que deságua no prazer, por que, amiúde, alguém se sente exilado de onde poderia desfrutar das delícias do amor? Acredito que possam existir dicas importantes capazes de responder a essas indagações. 

Todo esse desconforto mudaria completamente se o medo de que a morte pudesse suprimir as expectativas de felicidade fosse substituído pelos anseios de um convívio harmônico e fecundo com possibilidades de grandes partilhas. Toda energia será muito mais produtiva se a luta for a favor da luz em vez de se brigar contra a escuridão. 
Madre Teresa de Calcutá recusou-se a participar de uma passeata contra a violência, mas garantiu que acompanharia qualquer evento em favor da paz. E Gandhi ensinou, com a própria vida, que “não existe um caminho para a paz, a paz é o caminho”. As lições desses mestres orientam pais e filhos, em contenda, a aproveitarem o vigor da vida para aquecer os corações com celebrações cotidianas no âmbito familiar. Dessa forma, não precisarão ser acossados pelo pavor da morte para descobrir que hiberna um imenso desejo de amor entre eles.

Uma situação reveladora de que há ânsia de paz no seio da família ocorre quando um dos integrantes envolvido pelas ondas de conflitos adoece gravemente. Com exceções inexpressivas, esses parentes pavimentam o solo irregular que os circunda e se lançam no amparo do outro. Às vezes, a recuperação da saúde pode camuflar a enfermidade emocional de pais e filhos. Nesses casos, o mais provável é a dissimulação dos verdadeiros sentimentos pelo temor de que um novo susto venha a soterrar os sonhos de preservação de boas lembranças. Ocorre, ainda, que as feridas das partes envolvidas não cicatrizam com o adoecimento do outro. Ao contrário, permanecem abertas aguardando que um acurado processo psicoterápico consiga dissipar o véu dos ressentimentos, através de uma investigação das fendas que dispuseram as pessoas em lados opostos.

Temos constatado que numa mesma família, em que os conflitos atingem todos os filhos, os casos de doença sensibilizam apenas uma parte dos filhos, às vezes um só. Alguns filhos não conseguem apaziguar as próprias emoções e se mantêm distantes, mesmo conscientes de que o estado de saúde do pai/mãe poderá evoluir para a morte. Essa reação evidencia a intensidade da dor e a dificuldade de vivenciar instantes de empatia. 

O que pessoas tão sofridas sentem quando o outro morre? O que, normalmente, acontece é o surgimento de um grande sentimento de culpa. Para minorar a pujança dessa culpa iminente e inevitável, um mecanismo de defesa inicia uma busca minuciosa das qualidades do familiar que morreu para destacá-las num quadro de honra. Essa mudança causa muita estranheza aos que conhecem a linha relacional dos envolvidos. Chegam até a censurar o novo comportamento, exatamente por não compreenderem o esforço inconsciente que está sendo feito para bloquear uma avalanche de lembranças sombrias de uma convivência longa e tão turbulenta.

A negligência dos pais nas expressões de carinho instiga o inconsciente dos filhos afetados a decifrar um enigma resguardado de seu verdadeiro significado. Pacientes, muitas vezes já maduros, vangloriam-se por terem saído de casa muito cedo e aprendido a viver na escola do mundo, com um mestre frio, implacável e seletivo, como é a vida. “Venci todas as agruras que a vida ofereceu e, hoje, me considero um vitorioso”, regozijam-se. Esses filhos não se dão conta de que a sensação de heroísmo, da qual tanto se orgulham, reflete um profundo estado de revolta, de frustração e de ódio pelo carinho que deixaram de receber. 

“Perdi a noção de quanto tempo não vejo minha mãe - que é bem velhinha - sem sentir saudade alguma. Até do meu pai, que há muito morreu, quase nunca me lembro”, comentam. Após a escuta desses relatos com tais conteúdos, o psicoterapeuta é induzido a admitir que a complexa composição da natureza humana não se completa se não contiver a atenção, o afeto, o aconchego demorado de um colo, a sensação de pertencimento e a solidez de laços familiares que mantenham aquecidos os corações de todos os filhos.

À escuta também são reservadas muitas surpresas, pois existem filhos, reconhecidamente rebeldes, com uma extensa lista de desgosto aos pais, que exaltam a sorte de seus próprios pais por não terem nenhum filho problemático. Ora, novamente se depara com uma engenhoca psíquica funcionando para embaçar o filme que contém todas as cenas impróprias de uma estória abarrotada de amarguras. 

É pena que o sentimento de culpa não corresponda a estados de arrependimento. Arrepender-se implica em propósitos de mudanças de atitude, podendo, em muitas situações, restaurar as relações que foram desfiguradas pelos desgastes da própria convivência. Entretanto, a decisão de ser uma pessoa melhor força a convergência de elementos bastante contraditórios – lembranças negativas, desconfiança e expectativas da construção de uma realidade completamente diferente.

Com um repertório interminável de pretextos para se desvencilharem da culpa de uma convivência cheia de tensões, filhos com o perfil descrito no parágrafo anterior se desesperam com a morte do pai ou da mãe e buscam algum alívio atribuindo a efeitos iatrogênicos a perda do ente querido. Simulam um arrojo mordaz para investigar a causa mortis, mas logo são dissuadidos com poucos argumentos de familiares ou amigos de que todos os cuidados foram tomados para que o paciente tivesse o máximo possível de conforto antes de morrer. 

“Ele ou ela descansou”, suspiram os que prestaram a devida assistência. Esse final feliz soa como suave melodia que enleva o espírito e distende a rigidez de um corpo arqueado pelas dores do sofrimento. Lembrando que o inconsciente garimpa o prazer aliviando, inclusive, os ditames da realidade  constata-se não haver nenhuma surpresa se esses filhos considerem como seus os méritos de todos os cuidados dispensados aos genitores falecidos. E, dessa forma, estariam anistiados da culpa de todas as aflições a que deram causa.

3. CONCLUSÃO

O exercício da escuta revela que a função materna ou paterna trabalha, metaforicamente, como um complexo laboratório que se empenha para atualizar processos renitentes de transmissão de hábitos de educar. Apenas para reforçar a idéia, hábito é uma ação que se repete com freqüência e regularidade até se tornar um conhecimento ou uma experiência. Depois que isso acontece, a pessoa migra de uma etapa reflexiva para uma zona de completo automatismo, alienante, obtusa e acrítica. 

Nesse estágio, o sujeito parece ser ativado por meio de chips, previamente programados para realizar operações específicas. Sob interferência tão incisiva dos hábitos, a sorte da pessoa depende do conteúdo dos costumes expressos nos comportamentos dos pais, que ora concorrem para uma saudável estruturação emocional dos filhos, ora atropelam o curso do seu desenvolvimento. 

Cumprindo uma ordem inconsciente de fidelidade aos ensinamentos recebidos, os pais, quando se equivocam perpetuando uma criação imprópria e desqualificada, acreditam estar preparando cidadãos compatíveis com as expectativas do meio onde vivem. Isso é credo. E a crença é mais poderosa do que o conhecimento. Quando uma jovem envolve-se com um rapaz de conduta suspeita, por exemplo, pais e amigos tentam alertá-la sobre os possíveis riscos, mas nenhum conselho é levado em consideração, pois ela acredita que ele é bom, só está vivendo um momento difícil.

O mesmo acontece com os pais que são advertidos acerca da forma inadequada do manejo educacional recomendado e continuam defendendo o estilo herdado dos antepassados – “fui criado assim e desse jeito criarei meus filhos e ninguém tem nada com isso. Os filhos são meus, educo-os como acho certo”, reagem. A civilização seria bem diferente se os ensinamentos de Khalil Gibran, inscritos em sua obra magna O Profeta, fossem assimilados e praticados por todos os pais. No capítulo dedicado aos filhos, o poeta afirma: “Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós, porque a vida não anda para trás e não se demora como os dias passados”. 

Enquanto uma parcela significativa de pais se engana destruindo seus filhos, achando que estão investindo na sua construção, contabiliza-se o ódio, a culpa e a infelicidade de filhos que poderiam estar sendo inseridos no meio social e numa harmoniosa conexão consigo mesmos, em busca da autorrealização. Todavia, não é esse o quadro que se encontra na clínica psicanalítica. 

Embora desconcertante, depara-se com pessoas inseguras, infelizes e curvadas pelo sofrimento e pela revolta. Alguns desses filhos, que já moram fora de casa, quando vão visitar os pais costumam dizer: “Vou ver meu pai ou minha mãe”, referindo-se àquele com quem se afinam. Evitam fazer o mesmo comentário com relação ao genitor em conflito. Pior. Quando chegam à casa dos pais e as hostilidades disparam, normalmente questionam: “O que estou fazendo aqui?”

Conclui-se, portanto, que todos os aspirantes à função materna ou paterna deveriam avaliar o que, da própria educação recebida, contribuiria para a formação de seus descendentes e descartar todas as práticas que pudessem incidir em forma de instabilidade afetiva do sujeito. O desafio é enorme. 
Questionar a validade dos padrões mentais que direcionam uma maneira particular de ser criado, em benefício de gerações vindouras, significa assumir riscos presumíveis de rupturas das tradições familiares. É muito alto o nível de exposição a críticas de quem seleciona, atualiza e aprimora o estilo de educação que leve em consideração a afetividade, a independência, o respeito e os limites que são imprescindíveis para o desenvolvimento do ser humano. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GIBRAN, Khalil. O Profeta, São Paulo: Editora Martin Claret Ltda., 2003.
Ciência & Vida, São Paulo. Ano IX. Nº 112, p. 72-77, 2015.
KATAYAMA, Gilberto. Mudança de Padrões de Consciência. Revista Psique 
POSSATTO, Maria Cristina. PRINCÍPIO DO PRAZER X PRINCÍPIO DA REALIDADE, São Caetano do Sul/SP: Ano não indicado. Disponível em: <http://www.saudevida.com/site/artigos/principio-do-prazer-x-principio-da-realidade/>. Acesso em: 26 abr. 2016.
 ZIMERMEAN, David E. Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise, Porto Alegre/RS: Artmed Editora S.A., 2001.