segunda-feira, 3 de novembro de 2014

"A-MOR": NA RAIZ NÃO DÁ "GALHO"




Se perguntarmos a qualquer área do conhecimento humano acerca do significado da palavra amor, cada uma delas folheará, orgulhosamente, seu glossário para coreografar uma miríade de atributos pertinentes às concepções de amor. Por conseguinte, é elegante considerar que a semântica particular dos distintos corredores de pensamento autentica a veracidade do que se acredita como amor, e todos estão certos segundo seus pontos de vista. Aliás, ninguém melhor para democratizar os pontos de vista do que o Escritor e Teólogo Leonardo Boff quando afirma que "todo ponto de vista é a vista de um ponto".

Diante da profusão de formas e conteúdos diferentes para a proclamação do amor, emocionamo-nos quando os poetas celebram o amor como a fusão perene das almas dos que se amam. A métrica científica empenha-se para explicar que uma carga química trafega por circuitos neurais para promover a atração mútua de pessoas. Os mensageiros divinos enaltecem o amor que encoraja o sacrifício incondicional pelo outro. Para Aristóteles, mandatário-mor da Filosofia, "o amor é o sentimento dos seres imperfeitos, posto que a função do amor é levar o ser humano à perfeição",  dentre outros.


Enquanto a Semântica nos faculta percepções plurais do amor, ao confrontá-lo com sua raiz - A-MOR, verifica-se que "A" denota negação e "MOR" nos remete à ideia de maior. Ora, se em qualquer nível de relacionamento inexiste a figura do maior, é natural que também não exista aquele que represente o menor. Numa equação muito simples, conclui-se que sem o maior e sem o menor resta-nos apenas a opção da igualdade. Portanto, na raiz do amor, onde não há possibilidades subjetivas de interpretações, encontramos a única condição para que floresçam o respeito e a justiça entre os seres humanos, que a igualdade. Aqui, não incluímos a história pessoal que distingue cada sujeito no tempo e no espaço. Muito consciente dessas implicações, Jesus assentou sua pedagogia exortando a prática do amor de forma igualitária e sem privilégio algum - "Amai-vos uns aos outros". Bem antes de Jesus, porém, Sócrates já apregoava a máxima de que "o equilíbrio está no meio".


Fonte: Unicorreios
A figura ao lado dá-nos uma nítida ideia da complexidade psicossocial que envolve a pessoa. Talvez aí resida a grande dificuldade do autoconhecimento e do conhecimento do outro, causa de tantos conflitos intra e interpessoais. Todavia, não deveria ser assim, porque é exatamente nessas particularidades contextuais que emergem as diferentes concepções científicas, religiosas, filosóficas, psicológicas, etc. Foi sensível a tudo isso e, com grande sabedoria, que Dom Helder Câmara, OFS (1909 - 1999), bispo católico e arcebispo emérito de Olinda e Recife, disse que "nossas diferenças nos enriquecem". Se as diferenças individuais são tão significativas para o nosso crescimento, por que os relacionamentos sociais resultam, muitas vezes, em dores insuportáveis?

Esses sofrimentos serão drasticamente minimizados, ou até eliminados, na medida em que estivermos vivenciando o amor em seus étimos, bem na raiz, longe de nossos preconceitos e sem os riscos de dá "galhos", compreendendo e aceitando o jeito particular de ser de cada pessoa. Os conflitos eclodem e abrem confrontos quando tentamos transformar o outro em nossa imagem e semelhança, descaracterizando-o, anulando-o. São nessas circunstâncias que o outro passa a concentrar toda sua energia para resgatar a liberdade perdida, ou jamais tida, e, quando possível, parte em busca de, simplesmente, ser reconhecido como gente, digno de amar e de ser amado.

Sinto-me muito feliz concluir essas reflexões sobre o amor extraindo da música Maçã, do eterno Raul Sexas, a seguintes construção: "O amor só dura em liberdade, o ciúme é só vaidade, sofro mas eu vou te libertar"; outro gênio da música, Alceu Valença, na composição Romance da Bela Inês, complementa a inspiração de Raul ao dizer que "o amor se conquista passo a passo, o ciúme é a véspera do fracasso e o fracasso provoca o desamor"


Ramos de Oliveira
Psicanalista Clínico
Professor de Psicanálise e Palestrante


Email: ramos.talentos@gmail.com
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Fortaleza - Ceará - Brasil