sábado, 30 de janeiro de 2016

ÓDIO E CULPA DOS FILHOS



Quem atua na clínica psicanalítica jamais pode dizer que já escutou de tudo. Quando os filhos se referem aos pais, deslizam de um extremo a outro, desnudam suas almas e relevam um mapa  pontilhado de todas as impressões registradas ao longo da convivência, desde a fase intrauterina até às últimas interações. Algumas dessas impressões beiram à idolatria e outras, às chamas mordazes dos ressentimentos.

Há quem se queixe do colo que pertenceu somente aos irmãos e continuam, mesmo adultos, obcecados, infantilizados e errantes em busca do colo que não encontram. Esses filhos tendem a desenvolver sentimentos de desamparo, auto-rejeição, mediocridade, insegurança, ciúme, fracasso etc. Podem apresentar, ainda, sintomas de inadequação e social por causa de sua  agressividade aparentemente imotivada. Você é perfeitamente capaz de imaginar - só de imaginar - o que um filho, nessas condições, sente pelo pai ou mãe que o privou das indispensáveis expressões de carinho, afeto e proteção. Porque sentir, é um atributo exclusivo de quem vivencia uma experiência.

Outro grupo de filhos sofreu, ou ainda sofre, verdadeiros bullyings  dentro de casa, perpetrados pelos pais, através de distintas formas de ameaças - chantagens emocionais, barganhas morais, omissão de socorro, violência física ou psicológica e indiferença generalizada. Muitos desses filhos, às vezes de pais já falecidos ou separados, acreditam que as pessoas os estão  censurando a todo momento e preferem o mínimo possível de exposição para se prevenir de punições decorrentes de eventuais falhas que porventura venham a cometer.

Esses filhos, normalmente, responsabilizam o pai (ou mãe) pelas sucessivas vezes que são infelizes no amor; pelo medo de tentarem oportunidades no mercado de trabalho e fracassarem; pela inibição de se tornarem pais e repetirem tudo o que abominam em seus genitores, bem como por todos os desatinos e decepções já experimentados. Como resposta inconsciente a tudo isso, ouvimos relatos de filhos que esquecem o aniversário dos pais. O dia de finados também só é lembrado  muito tempo depois. Só de uma coisa não esquecem: o desejo de ver esses pais sempre distantes - "conviver com meu pai é um verdadeiro inferno. Vivo como se não tivesse pai", recorda determinada paciente. "Minha mãe faz de tudo para me anular e me controlar", queixa-se outra. " Meu pai nunca perdeu uma chance de me humilhar na frente de meus amigos e afirmar que era um incapaz", desabafa um paciente atormentado pela crueldade do pai.

E, agora, o que fazermos diante desse ambíguo universo relacional de ódio, culpa e amor?É inegável o conflito de quem tem que hospedar dentro de si estados tão contraditórios, em que filhos, ao mesmo tempo, amam seus pais mas  odeiam o tratamento que recebem e, ainda, se culpam pelo ódio que sentem? Como atravessar esse pântano de sofrimento? Antes que compartilhemos uma fórmula bastante eficaz para a superação desses embates e dores, precisamos esclarecer que o processo de aprendizagem resulta da observação e da repetição. Ora, se o equívoco dos pais dá-se por conta do que aprenderam como o jeito certo de educar, é indispensável que os filhos compreendam a situação, formulando dois questionamentos: primeiro, investigar como seus pais foram criados; segundo, perguntando a si mesmos - será que eu, passando o que eles passaram, não agiria do mesmo modo? 

Respostas sinceras e objetivas a essas indagações contribuem, efetivamente, para o desenvolvimento de posturas de compreensão do comportamento desses pais, que se enganam quando agem esperando acertar, mas comentem estragos reparáveis somente através de um excelente processo psicanalítico. Nesse caso, pais e filhos necessitam de psicoterapia para que a felicidade da família possa florescer e os pais, antes odiados e causadores de tanta culpa, transformem-se em admiráveis ídolos de seus filhos.

Ao final da concepção deste artigo, dividimos com você a imensa e frequente alegria que vivenciamos em nosso consultório, sempre que conseguimos converter o véu cinzento do ódio e da culpa no esplendoroso brilho da reconciliação.



Ramos de Oliveira
Psicanalista Clínico
Professor de Psicanálise e Palestrante


Email: ramos.talentos@gmail.com
Av. Santos Dumont, 847 - Sala 303 – Aldeota
Fortaleza - Ceará - Brasil