sexta-feira, 13 de maio de 2016

MILAGRE COMPARTILHADO


Por que acreditam tanto em mim?

Uma das características marcantes de Jesus foi acreditar nas competências humanas. E fez questão de demonstrar essa confiança em ocasiões que exigiram dele ações exclusivas de quem tinha pleno domínio sobre a Terra e em tudo que nela habita. Nas Bodas de Caná, realizou o primeiro de muitos milagres que haveria de praticar. Considere-se que ele foi àquela festa de casamento como convidado. Nem por isso, foi poupado de ser informado de que o vinho acabara. Em vez de cuidar da transformação de água em vinho, como ficou conhecida sua estréia no universo dos milagres, sem que ninguém percebesse, optou por incluir algumas pessoas naquela façanha extraordinária. De imediato, ordenou aos empregados que preenchessem os vasilhames com água e tomassem um pouco dela para servir ao presidente da mesa. Já na primeira oportunidade de realizar milagres, as atitudes que se sobressaem aludem às participações dos empregados e do presidente da mesa, este último com a prerrogativa de aprovar o milagre do Messias. Observe que Jesus priorizou a confiança nos talentos daquelas pessoas e envolvimento destas no processo de transformação para proporcionar alegria e tranquilidade às celebrações humanas.

Em outra ocasião, Jesus tentou recolher-se no deserto quando soube que João Batista havia sido morto. Conforme a noite se aproximava, os discípulos chegaram até ele e disseram: "Este lugar é deserto e a hora é já passada; despede, pois, as multidões, para que, indo às aldeias, comprem alguma coisa para comer.". Jesus respondeu: "Não precisam ir; dai-lhes vós de comer.". Os discípulos retrucaram: Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes" e Jesus pediu-lhes que lhos trouxessem. Novamente, o Filho de Deus valoriza os recursos de homens e mulheres e os insere em seus ritos miraculosos. Jesus evidenciava que, no cenário dos milagres, as pessoas presentes tinham papéis importantes a cumprir, cabendo a ele a responsabilidade de fazer o que ninguém jamais conseguiria realizar. E dessa forma, segundo extratos bíblicos, cinco mil pessoas foram alimentadas.

Jesus, para se distinguir entre os homens, precisava empreender atos idiossincráticos. E encontrou nos milagres uma oportunidade especial de socorrer as pessoas em suas dores extremas. Para isso, curou, perdoou, ressuscitou etc. Mesmo detentor de tanto poder, o Nazareno se compadecia das tristezas humanas, e até chorou quando Maria e Marta, irmãs de Lázaro, comunicaram-lhe que seu irmão havia falecido há quatro dias. De onde estava, bem distante do túmulo de Lázaro, Jesus poderia tê-lo trazido à vida. No entanto, Jesus preferiu contar com a parceria de mais pessoas para realizar um dos milagres de maior notoriedade em sua vida. Chegando ao local, disse: "Retirem a pedra". É claro que a ressurreição de Lázaro poderia incluir a retirada da pedra. Mas Jesus apropriou-se daquele momento para privilegiar as competências humanas, por acreditar que são fundamentais na autonomia de cada sujeito.

A prática de milagres sempre fez parte da trajetória de Jesus. Um dia, trouxeram-lhe um cego em busca de cura. Mesmo sabendo o que o cego esperava, Jesus indagou: "O que queres que eu faça?". Até na iminência de fazer o bem a alguém, o Filho do Altíssimo valorizava a opinião dos agraciados com a saúde. Jesus adorava trabalhar em equipe, grandes ou pequenas. O que de fato queria era fazer o outro sentir-se importante atuando ao lado dele. Depois do cego, foi a vez de um aleijado, prostrado e adaptado em sua cadeira de rodas. Nem diante daquele homem, completamente ajustado ao seu micro espaço, Jesus deixou de enxergar o potencial que ele tinha de ser capaz de conquistar um mundo novo, com as próprias pernas. Simplesmente, fitou o homem e disse: "Levanta-te e anda".  Não bastaria apenas ser curado. Dizem que nenhum ente sentado anda - empresas, igrejas, pessoas etc.

Notem que, independentemente das circunstâncias em que Jesus realizava seus milagres, ele enaltecia a capacidade empreendedora do ser humano. Parece que só assim ele se sentia confortável, feliz, envolvendo pessoas nas transformações da realidade. Se Jesus, que nos conhece mais do que nós nos conhecemos, acredita tanto em nós, por que vacilamos em confiar nas nossas próprias competências? Por que recusamos determinadas incumbências que nos são delegadas, quando muitas pessoas acreditam que podemos atendê-las? Muitos pacientes queixam-se da falta de capacidade de tomar decisões. Chegam em uma loja para comprar roupas, por exemplo, passam horas intermináveis escolhendo, mas não conseguem escolher a peça que lhes agrade. Frustrados, vão embora sem a roupa nova, com muita culpa e a autoestima em níveis intoleráveis. Para quem nunca vivenciou experiências parecidas, não faz a mínima ideia do tamanho da dificuldade de escolher um chocolate entre marcas diferentes.

Por que isso acontece? Ao conhecermos os étimos da palavra DE-CISÃO, fica mais fácil entendermos os obstáculos na hora de escolhermos. DE: fora; CAEDERE: cortar - cortar possibilidades. Observe que encontramos a palavra cisão no vocábulo decisão. E cisão significa ruptura, rompimento, perda, exclusão. Ora, se uma decisão implica em perda, pessoas que já tiveram perdas importantes sentem-se bloqueadas quando precisam decidir. Na hora de comprar uma roupa, um processo inconsciente informa que haverá perdas. Então, é melhor não levar nada do que perder alguma coisa.

Considerando-se que o propósito maior da Psicanálise é promover a autonomia do sujeito, que significa autoconfiança, percebemos que Jesus busca o mesmo objetivo ao acreditar e envolver as pessoas naquilo que poderia ser exclusivamente dele. Com isso, podemos chamar de milagre compartilhado as infinitas oportunidades que Jesus nos oferece para demonstrarmos que somos capazes de operarmos, com ele, o milagre que transforma uma experiência limitante em uma realidade plena de satisfação. Se algum transtorno desabilita sua confiança em si mesmo, é hora de procurar ajuda profissional. Se isso não é o seu caso, confie em você, como o fez Jesus, sempre que era instigado a operar mais um milagre.


Ramos de Oliveira
Psicanalista Clínico
Professor de Psicanálise e Palestrante


Email: ramos.talentos@gmail.com
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Fortaleza - Ceará - Brasil