domingo, 27 de agosto de 2017

"MINHA VEZ..."





A curiosidade do olhar psicanalítico parece expandir o brilho de nossa retina para iluminar melhor a realidade na qual nos inserimos, até mesmo quando brincando com as crianças. Tenho uma neta, de poucos meses, e dois netos, gêmeos, de três anos. Além de ser um prazer inefável o brincar com nossos pequeninos, os ensinamentos que eles nos dão podem ser a chave que nos permitirá compreender alguns sintomas de sofrimento de determinados pacientes.

Percebi que em quase todas as brincadeiras eles definem a vez de cada um e gritam: "Minha vez". O que mais chama minha atenção é a defesa da oportunidade de um e o respeito por parte do outro, para que o jogo flua e se torne agradável para todos. Embora a diversão seja regida por regras tácitas, é  mais seguro evitar o risco de violá-las. Como bem sabemos, a criança não aceita injustiça.

Quando transmutamos a postura determinada, as regras claras e protegidas e a competência decisória das crianças para  o setting analítico - local onde paciente e analista realizam as sessões - notamos que muitos pacientes perderam, ou jamais tiveram, o comando de sua vida. "Não sei o que fazer", dizem uns; "Ninguém pode me ajudar, nem mesmo você", resignam-se outros. Há queixas frequentes de que certos pais, ou cuidadores, minaram qualquer possibilidade de autoconfiança. Gravíssimo, ainda, é terem incutido, na criança,  a crença de que ela só serve para atrapalhar. 

Esse discurso devastador rende ao adulto um estado de letargia, de imobilidade, de inadequação ao convívio com aquele que deveria ser o semelhante, o próximo. Ao contrário, o outro se torna um estranho, evitável e distante. Muitos têm a sensação de inutilidade e, embora  tenham uma boa qualificação profissional, não conseguem desfrutar do que investiram na própria formação. "Sinto-me perdido sem enxergar saída alguma", condenam-se. Há quem se declare incapacitado para prosseguir ou mesmo retroceder.

Note-se que a postura desses pacientes é bem diferente da dos meus  netos. Eles, tacitamente, definem regras, esperneiam se alguem quebrar o contrato e aguardam apenas o tempo suficiente para que o outro jogue. Se o jogo perde a graça, escolhem outro. E, assim, vão fazendo do tempo livre uma festa. Para elas, alegria não tem intervalo.

Se, em sua vida, o jogo fez um intervalo que parece não ter fim, ou se seque começou, talvez tenha chegado o momento de procurar o suporte de um profissional que decodifique os comandos inconscientes que escondem de você a fascinante experiência de EXISTIR!

Ramos de Oliveira

Psicanalista Clínico

Professor de Psicanálise e Palestrante

Email: ramos.talentos@gmail.com

Av. Santos Dumont, 847 - Sala 303 - Aldeota

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