segunda-feira, 13 de outubro de 2014

TERAPIA DO LUTO - PERDAS QUE DOEM





Por que somos capazes de pagar qualquer preço pela felicidade, pela alegria ou por um estado mental de grande satisfação, e ainda, investir o empenho necessário para evitar o sofrimento, sem garantia nenhuma do prazer ou do desprazer?

A resposta a esse questionamento, de tão complexa, reveste-se de maior prudência se permanecer no âmbito da especulações. Muitas áreas do conhecimento, de maneira bem intencionada, arriscam circunscrever conceitos diversos de felicidade e sofrimento, mas padecem da falta de unanimidade. Ao lado dos aspectos conceituais, puramente cognitivos, existe uma verdade inconteste que está relacionada com a individuação do sentimento.

Somente aquele que perdeu algo precioso ou um ente muito querido tem a exata dimensão da dor que sente. Quem apenas compreende, mas não sente, tenta confortar dizendo "que todo mundo passa por isso e que o tempo tudo cura". Para ajudar as pessoas que estão vivendo um momento de grande sofrimento, uma atitude de grande importância é escutar e apoiar quando for demandado.

Experiências de grande impacto desencadeiam uma sequência de reações, nem sempre nessa ordem: choque, negação, revolta, tristeza e aceitação. Se, em qualquer uma dessas fases, o sofrimento se torna insuportável a ponto de causar isolamento das demais pessoas e completa apatia diante das demandas cotidianas, além de eliminar a esperança de reassumir a gestão da própria vida, é sinal de que o amparo profissional viabilizará os meios indispensáveis ao soerguimento da pessoa que, sozinha, não consegue forças para continuar vivendo.

Em face do poder imobilizante que o sofrimento impõe às pessoas que tiveram perdas importantes e não estão conseguindo administrar os desdobramentos desses revezes, nosso Consultório vem se qualificando, tenazmente, para ajudá-las a reconquistarem a autonomia e a capacidade de tomar decisões, em favor de si e dos outros, enxergando, dentro do próprio processo doloroso, razões para perceber que  a vida continua seu curso.



Ramos de Oliveira
Psicanalista Clínico
Professor de Psicanálise e Palestrante


Email: ramos.talentos@gmail.com
Av. Santos Dumont, 847 - Sala 303 – Aldeota
Fortaleza - Ceará - Brasil























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segunda-feira, 6 de outubro de 2014

ACOMPANHAMENTO PSICANALÍTICO DE ADOLESCENTES




A conjunção entre o exercício dos meus papéis de pai e de psicanalista tem instigado alongadas reflexões acerca de uma maneira que concilie o respeito ao espaço de expressão dos filhos com o mínimo possível de ansiedade dos pais. Para iluminar um dilema dessa natureza, sinto-me imensamente confortável em transcrever um minúsculo capítulo do extraordinário livro O Profeta, abaixo, de Gibran Khalil Gibran, concebido para inspirar a suprema obra dos pais na formação dos filhos.
Sempre que leio referido capítulo, mesmo o tendo lido incontáveis vezes, um novo dilema emerge: ora me contento em considerá-lo um poema filosófico de beleza e sabedoria irretocáveis, ora vislumbro na mensagem uma janela que se abre para um mundo incontornável de possibilidades de conhecimentos, que podem auxiliar os pais a estimular seus filhos a revelarem o melhor que carregam dentro de si.
Nesse sentido, o alvo dos pais assemelha-se aos desafios que alimentam a inquieta curiosidade do arqueólogo, que se ocupa da remoção de camada por camada do solo até despir o objeto de sua busca. Assim como todo o processo de educação dos nossos filhos, no trabalho do arqueólogo são utilizados instrumentos delicados para preservar o objeto pesquisado, e, quando o encontrado, especialistas, de notório domínio técnico, se juntam para o competente levantamento dos diversos aspectos que envolvem a contextualização da descoberta. Qualquer erro no trato dessas operações pode sacrificar anos de pesquisas e milhões de recursos financeiros investidos.

          "Vossos filhos não são filhos.
          São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
          Vêm através de vós, mas não de vós.
          E embora vivam convosco, não vos pertencem.   
          Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
          Porque eles têm seus próprios pensamentos.
          Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
          Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
          Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
          Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
          Porque a vida não anda para trás e não se demora como os dias passados.
          Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
          O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
          Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
          Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
          Pois assim como ele ama a flecha que voa, 
          Ama também o arco que permanece estável."
          (Gibran Khalil Gibran)        

Estaríamos interagindo com nossos filhos segundo os ensinamentos indeléveis do imortal Gibran? Se a resposta é demasiadamente destoante dos propósitos calcados no aludido capítulo, especialmente por equívocos cometidos com relação aos filhos adolescentes, pode ser evidência da necessidade de apoio especializado. Em nosso consultório, temos experimentado uma imensa alegria no acolhimento de pacientes com idade variando entre 11 e quase 80 anos. Percebemos que em quaisquer das diferentes etapas de vida, a maioria se queixa de relacionamentos invasivos que causam grandes prejuízos psíquicos, com graves implicações de autoimagem, inadequação social, comprometimento da carreira profissional e de drástica redução da capacidade de sonhar e de empreender, dentre outras. 

Se considerarmos que pais e arqueólogos buscam preciosidades escondidas para o engrandecimento das famílias, da história e das civilizações, aprimorar métodos e técnicas para a eficácia de novas descobertas renderá um legado que só o podium do tempo elevará o verdadeiro vencedor aos píncaros da glória. O ideal, no entanto, é que pais e filhos celebrem a vitória de estarem crescendo numa perfeita simbiose.

É inteligível a analogia que se pode fazer entre pais e arqueólogos, já que ambos são caçadores de riquezas de valor inestimável. E que similitude verificamos entre filhos e o solo onde são garimpadas relíquias que, eventualmente, despertam cobiças incontornáveis? Quando a criança encontra um lar pleno de aconchego e de amor, ela potencializa a capacidade natural de integrar suas sensações corporais, os estímulos ambientais e suas capacidades motoras nascentes.

É nessas condições que, segundo as concepções doutrinárias de Donald Winnicott, pediatra e psicanalista inglês que se notabilizou pela análise infantil, se desenvolve o verdadeiro self, isto é, o si mesmo, a verdadeira identidade. Todavia, quando o ambiente familiar é hostil, o sujeito vai se envolvendo em uma casca, para se proteger e se adequar socialmente, e se desenvolvendo como extensão dessa casca, como prolongamento do meio atacante, criando o falso self, uma espécie de identidade artificial, que, dependendo o nível de opressão, pode substituir o verdadeiro self, produzindo uma sensação subjetiva de vazio, futilidade e irrealidade. Podemos comparar essa casca com as diversas camadas de solo que recobrem o que, tão avidamente, buscam os arqueólogos.

Reservamos para desfecho destas reflexões um sábio provérbio canadense que muito ampliará a maestria dos pais na formação de seus filhos: "Aos nossos jovens, precisamos dar raízes, para poderem ser fortes como sequoias; e asas, para serem livres como águias".


Ramos de Oliveira
Psicanalista Clínico
Professor de Psicanálise e Palestrante


Email: ramos.talentos@gmail.com
Av. Santos Dumont, 847 - Sala 303 – Aldeota
Fortaleza - Ceará - Brasil