sábado, 2 de julho de 2016

MENTE E CORPO DIVORCIADOS





Será que sua mente se parece com um turista solitário e afortunado, que abandona o corpo à intensa rotina do dia a dia, embarca para destinos incertos, desembarca em qualquer lugar e segue incansável sem propósito algum? Se sua resposta for 'sim', é bastante provável que você esteja com dificuldades de assimilar o que acabou de ler, de entender o que o outro disse, de localizar objetos de uso rotineiro, de lembrar nomes de pessoas conhecidas etc.

Calma. Não confunda isso com o mal de Alzheimer nem se sinta sozinho. Segundo a psicóloga Amishi P.Jha (2014), doutora em imageamento cerebral, da Universidade de Miami, estudos com voluntários apontam que "a maioria das pessoas passa metade do tempo no estado de distração mental". É muita gente e tempo demasiado em dispersão. Aliás, pensa-se muito sobre o tempo. Culturas bastante pragmáticas ensinam que "tempo é ouro"; outras, mais saudosistas, reclamam que "o tempo que vai não volta mais"; contudo, foi na erudição da Roma Clássica que floresceu o dogma de "fugit irreparabile tempus", traduzido como o tempo foge irreparavelmente.

E o que causa tanta divagação? Essa nave que transporta mentes desgovernadas para estações inimagináveis é alimentada por diversificadas formas de preocupações e medos. Pessoas que, habitualmente, são afetadas por pensamentos e sentimentos indesejáveis, geralmente, intrusivos e catastróficos, tendem a sofrer de estresse psicológico crônico. Trata-se de um estado emocional que torna o foco difuso, desestabiliza a atenção, embaça a percepção e compromete a segurança do sujeito em decisões que exigem precisão e rapidez. 

Essa perda de eficiência produz uma sensação de incapacidade, de incompetência, de incompletude, de solidão e de oficialização do divórcio entre o corpo e a mente. Tem-se, ainda, a impressão de que a pessoa transformou-se em autômato, robotizou-se, movimenta-se como um corpo sem alma e está, completamente, alijada de qualquer racionalidade. Subjacente a tudo isso irrompe-se um quadro de humor deprimido e elevado nível de ansiedade.

Você já se flagrou tomando o café da manhã com sua família, enquanto pensa numa reunião agendada para as 15 horas? Talvez nem se lembre de haver dividido um beijo da pessoa amada com uma promissória que venceria no mesmo dia. E quando alguém atravessa uma noite insone, assediado por pensamentos de que o amor de sua vida está se afogando em outros braços? Há situação mais angustiante do que programar uma viagem para o futuro e disparar, de imediato, um turbilhão mental de providências para que nada dê errado, e até realizar a viagem dos seus sonhos e não ver a hora de voltar? Observa-se, nesses casos e em episódios similares, que a mente ausenta-se nos melhores momentos e pousa nos lugares frequentemente hostis e causadores de grandes sofrimentos.

FELICIDADE E BEM-ESTAR

Mens sana in corpore sano (uma mente sã num corpo são) é uma máxima filosófica citada na décima Sátira do poeta romano Juvenal. O que de fato Juvenal propunha aos romanos que pedissem, em oração, saúde física e espiritual. Ou seja, o esforço necessário para se alcançar um equilíbrio saudável no modo de vida e de ser. Certamente, Juvenal já inferia que o ser humano é um composto indissolúvel psicossomático, ou seja, as torturas psíquicas molestam, impiedosamente, a estrutura corpórea. Daí, ser compreensível o empenho de tantos especialistas na produção de obras admiráveis abordando a decodificação da linguagem corporal, instigados pela ideia de que o corpo fala.

Quando se leva em consideração que a mente divaga por causa do acúmulo de tensões e retorna com mais tensões ainda - humor deprimido, ansiedade, estresse, pânicos, fobias e outros distúrbios psicológicos -, é razoável admitir-se que as tensões, em níveis toleráveis, possibilitam o foco no agora, o olhar cuidadoso e maior concentração. Tudo muda quando a mente se torna parceira das ações empreendidas. Sempre que isso acontece, mente e corpo unificam-se para uma experiência plena no presente. Muitas são as formas de direcionamento da mente, esta que já foi chamada pelos hindus de "besta indomável".

Atenção Plena


Ainda com base no que pontua a doutora P.Jha, a prática da Metaconsciência consiste em focar a atenção, voluntariamente, para desenvolver a habilidade de reconhecer e acompanhar pensamentos, sentimentos (raiva, medo, tristeza, alegria, inveja etc) e sensações (experiências sensoriais) em curso, sem se prender a eles nem formular julgamento algum. Outro esforço eficaz na captura dessa besta indomável é a Atividade receptiva ou treino de Monitoramento aberto, que propõe prestar-se atenção ao que se passa pela consciência o tempo. 

Assim, do mesmo modo que a atenção focada em um determinado objeto sonoro permite aferir a amplitude desse som - alto ou baixo -, também o monitoramento vigilante de pensamentos, emoções e sensações detecta aumento e diminuição de sua intensidade. Tendo-se consciência  que  o tônus da dor sofre oscilações, elimina-se a percepção de que o sofrimento é sentido apenas no seu estado mais doloroso. 

Há outras estratégias que nos ajudam a seduzir nossa mente para se incorporar ao calor do agora - inspirar e expirar. Muito simples e já o fazemos naturalmente sem esforço nenhum. Porém, a chave que integra corpo e mente é o fato de nos atermos ao trajeto do ar durante o fluxo e  o refluxo, isto é, a entrada e  a saída do ar. Enquanto nos fixamos na movimentação do ar, conseguimos atrair a mente para nós próprios. Se, em alguns momentos, verificar que a mente se perdeu, serenamente e livre de qualquer obrigatoriedade, retome o ritmo do sopro vital. Essa atividade poderá ser realizada em momentos específicos, ou sempre que uma onda de preocupação traçar o roteiro alienante sua mente. Atenção plena é a tradução de Mindfulness, termo apropriado pela literatura pertinente.

Mais Saúde

O cruzamento de pesquisas realizadas em centenas de centros de estudos da Mindfulness aponta resultados já comprovados e outros em fase de validação. Dentre esses resultados, podemos destacar o convívio amigável com a solidão, o fortalecimento do sistema imunológico, a redução dos riscos de doenças inflamatórias como lúpus, artrite e reumatismo em adultos mais velhos, o alívio dos sintomas de doenças agravadas pelo estresse, como psoríase, dermatite, fibromialgia e doenças do intestino irritável, a regulação do humor e a melhora da capacidade de memória de trabalho. 

De todos esses postulados, conclui-se que a prática diária da Meditação  - de 10 a 15 minutos - produz resultados similares aos obtidos pelos exercícios físicos. Conquistar uma atenção plena equivale a dispor de uma mente rápida e concentrada, pronta para positivar o humor e construir uma vida feliz, mais saudável e com maior longevidade.



Ramos de Oliveira
Psicanalista Clínico
Professor de Psicanálise e Palestrante


Email: ramos.talentos@gmail.com
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Fortaleza - Ceará - Brasil