domingo, 5 de fevereiro de 2017

PAIS GIGANTES DE FILHOS ANÕES



Os ensinamentos apreendidos na interação com nossos pacientes produzem em nós, profissionais, o dever de compartilhá-los para conscientizar e prevenir outras pessoas, que podem estar passando por situações parecidas. Conhecendo os estragos que a história de certos pais causa na vida de seus filhos, é possível mudar destinos que poderiam comprometer a felicidade de famílias inteiras.

É perceptível o sofrimento de pacientes cujos pais enfrentaram grandes dificuldades quando ainda eram crianças ou adolescentes. Por motivos diversos, essas crianças, hoje pais, tiveram que morar com parentes ou até estranhos. Distantes do que poderiam ser seus núcleos familiares, amargaram rejeições, humilhações, fome, abandono, carências de toda sorte e, especialmente, a falta do aconchego aquecido pelo colo materno e dos referenciais das funções maternas.

Essa conjuntura adversa tende a produzir efeitos bem antagônicos. Ora inibe a formação de sonhos, ora introjeta na pessoa uma energia capaz de engendrar estratégias inimagináveis  contra as precárias e desumanas  condições degradantes. Aqui, sublinhamos os sentidos opostos da força direcionada contra os revezes da vida em relação à força que poderia ser orientada para o sucesso e para a felicidade. É nesse eixo de antagonismo que o processo terapêutico elucida a direção que realmente edifica. Senão, a luta contra o sofrimento tende a ser confundida com a rota exitosa do que se almeja.

Alguns dos que conseguiram atravessar o trecho mais crítico do solo movediço que os sufocou fazem dos estudos o único liame entre um passado aterrador e uma nova realidade completamente promissora. Casam-se, acumulam vasto capital intelectual, ascendem profissionalmente e têm filhos. Com a chegada dos pequeninos, esses  pais aguardam até perceber que seus filhos já conseguem interagir, para iniciar um interminável e dogmático processo de doutrinação para proteger sua prole do sofrimento que passaram.

Cheios de  boa intenção, pais, com históricos tão tirânicos, disparam seus arsenais contra a história que viveram. É pena que, para isso, utilizem seus filhos para declarar guerra ao próprio passado e, ao mesmo tempo, atacar o presente dos filhos através da imposição de desafios que excedem suas capacidades. São eles também que escolhem a carreira dos filhos, baseados apenas no retorno financeiro  e sem considerarem as aptidões e a satisfação das crianças ou adolescentes. O mais grave é tentarem turbiná-los com competências ainda não disponíveis na rede neural, agredindo, desrespeitando e desqualificando seus rebentos por não sentirem a mesma revolta que eles.

Tratadas como adultos, as crianças desses lares não podem perder tempo com brincadeiras nem expressar seus talentos artísticos para não se desviarem do futuro que terão que alcançar. Você faz ideia dos efeitos desse determinismo na vida de alguns desses filhos? Falta de autoconfiança, medo dos pais, frustrações com a carreira que estão seguindo, hibernação dos próprios talentos, projeções angustiantes acerca de um futuro germinado em um passado que não lhes pertence.

Lutar contra um passado indesejável é inócuo e transferir esse passado para os filhos é mais estéril ainda. De acordo com os ensinamento do escritor Gibran Khalil, devemos ser como nossos filhos em vez de torná-los como nós. Afinal, o tempo não anda para trás. Toda luta contra é carregada de ressentimentos, e qualquer esforço a favor é pleno de esperança e de alegria. Cada um de nós tem as próprias motivações. Deixemos que nossos filhos descubram também o que  de fato faz sentido em suas vidas. E, assim, construam um presente dadivoso e um futuro que lhes seja um inesquecível presente. Pode parece redundante, mas gigantes só saem de grandes presentes!


Ramos de Oliveira
Psicanalista Clínico
Professor de Psicanálise e Palestrante


Email: ramos.talentos@gmail.com
Av. Santos Dumont, 847 - Sala 303 – Aldeota
Fortaleza - Ceará - Brasil