domingo, 18 de setembro de 2016

FÉ E POSSIBILIDADES



O exercício da Clínica Psicanalítica tem nos induzido a refletir acerca da fé que move os pacientes até nossos consultórios. Já atendemos pessoas que percorreram quase 400 km, por acreditarem em nosso trabalho. Mesmo que as longas distâncias interfiram na frequência das sessões, reputamos meritório o empenho de quem, ainda que more próximo ao consultório, inclua em sua densa rotina a ida sistemática ao encontro daquele que se dedica ao ofício de contribuir para o alívio do que está se tornando insuportável. 

Essa demonstração de fé nos emociona, estabelece vínculos e nos compromete ainda mais com a busca incessante de novos e eficazes conhecimentos, onde quer que esses saberes sejam gerados, porque o sucesso terapêutico de maior consistência é aquele que se reveste de humildade e de sabedoria para articular métodos e técnicas afins, com o objetivo de melhor suporte aos nossos desafios profissionais.

Lacan (1901-1981), respeitável referência da Psicanálise, na França, foi pródigo ao aludir à expressão Sujeito Suposto Saber para abordar a confiança do analisando no analista. O paciente acredita que o profissional é suficientemente competente para ajudá-lo. A força de tamanha adesão "remove montanhas" e deixa para trás os obstáculos que possam interferir no estado de pacificação mental almejado, no tão sonhado conforto emocional, no bem-estar físico de que necessita e nas aprazíveis conexões espirituais - dimensões constitutivas e essenciais de todo ser humano.

Ficamos tão impressionados com a enigmática natureza da fé, que resolvemos pesquisar sobre o assunto e logo descobrimos que se trata da abreviação da palavra fiel e a palavra fiel é uma abreviação da palavra fidelidade, ou fidelis (latim). É uma adesão de forma incondicional a uma hipótese que a pessoa passa a considerar como sendo uma verdade, sem qualquer tipo de prova ou critério objetivo de verificação. A fé acompanha absoluta abstinência de dúvida. É impossível duvidar e ter fé ao mesmo tempo.

Imaginou se alguém, que viajou cerca de 400 km, como citamos no início deste artigo, questionasse: será que valerá a pena um sacrifício desse para ir tão longe? Se essa dúvida tivesse existido, provavelmente a paciente não teria vindo até nosso consultório. A fé é uma cortina que se abre para um mundo de possibilidades. Pela fé, nos tornamos capazes, dignos, potentes, poderosos, heróis que enxergam vitória em todas as batalhas, pessoas predestinadas ao sucesso. 

O momento paralímpico Rio 2016, que ora transcorre em nosso País, reúne atletas que substituíram a completude do corpo pela fé de continuarem engajados no que parecia impossível. Mas, impossível para quem? Para todos esses atletas, o "impossível" não é um fato, apenas uma opinião. E cada um tem a sua, verdadeira somente para os que acreditam.  A situação pode parecer tão incrível, que às vezes é complicado aos "normais" compreenderem a eficiência daqueles que muitos consideram deficientes.

Se considerarmos que o Olimpo é o palácio dos deuses, os atletas que se elevam a níveis olímpicos tornam-se vizinhos desses deuses que encarnam a perfeição e, portanto, habitantes de zonas nirvânicas, paradisíacas e glória plena. Ao assentirmos que a fé torna possíveis todas as coisas, desmonta os limites e dissolve as fronteiras, afirmamos também que acreditar nas impossibilidades é a maneira mais segura e mais confiável de produzirmos a estagnação e o retrocesso. 

Enquanto acreditarmos que moramos no lado oposto do Olimpo, com um intransponível fosso no meio, permaneceremos inabilitados à glória dos deuses, ou seja, à felicidade que percorre os ares em busca de um lugar para pousar onde nós estamos. Tudo isso é consequência da fé. Do mesmo modo que a fé remove montanhas, também deixa a montanha onde sempre esteve. As pessoas que recorrem ao processo terapêutico são, potencialmente, bem-sucedidas, porque têm fé que podem melhorar e admitem, também, que sozinhas não conseguirão. A isso chamamos de humildade. Portanto, a aliança que envolve analista e analisando tende a ser vitoriosa.

Jesus Cristo nos instigava à fé e nos fazia sonhar com um cenário livre de todas as formas de limites e nos garantia: “Em verdade vos digo: se tiverdes fé do tamanho de um grão de mostarda, direis a esta montanha: ‘Vai daqui para lá’, e ela irá. Nada vos será impossível.” (Mt 17,20). Sempre muito respeitoso, antes de realizar seus milagres, perguntava àqueles que O procuravam: "O que queres que eu faça?". Em seguida, respondia: "A tua fé te salvou". Talvez querendo que ousássemos mais ainda, Jesus afirmou: "Aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai (João 14.12).

Ao final deste artigo, traçamos um paralelo entre Fé e Ciência. Enquanto a Fé, dispensando as evidências da comprovação, afirma que é preciso crer para ver; a Ciência ampara-se no ver para crer. Ora, se a Ciência percorre caminhos longínquos para ver, certamente é porque tem muito mais fé do que se possa imaginar.

Ramos de Oliveira
Psicanalista Clínico
Professor de Psicanálise e Palestrante


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Fortaleza - Ceará - Brasil