domingo, 18 de janeiro de 2015

A POTÊNCIA DO SER



Garimpamos no étimo latino potens (aquele que pode, potente) a compreensão da força inerente ao ser humano que o torna apto a sonhar, pensar, sentir, empreender, inventar, inovar, transformar e, especialmente, potencializar análise e respostas às demandas que vão surgindo no curso de toda nossa existência.

É reconfortante lembrar que os mestres do pensamento grego, notadamente Platão, concebiam como realidade concreta a instância que compunha o mundo das ideias, da potência, da força, da energia criativa, dos sonhos, dos projetos, e o ambiente fenomênico, este que consideramos o espaço das  coisas físicas, apenas o reflexo dessas ideias. 

Para ilustrar, façamos uma analogia com o Teatro Grego, que enriqueceu eixos literários com suas famosas tragédias e comédias. As primeiras, que eram divididas em cinco atos, retratavam, perfeitamente, a forma de pensar da cultura grega, isto é, cada Ato era a representação de ideias de seus autores. Esses atos até poderiam  ser extintos, mas as ideias correspondentes, jamais.

O que ganhamos com a experiência grega? Diante de uma infinidade de ganhos, sublinhamos os relacionados com um laboratório de ideias que existe em todos nós, uma verdadeira indústria ávida para transformar pensamentos, inteligentemente articulados, em ações, atos e atitudes que podem melhorar a nossa própria realidade e os domínios do outro. Para isso, só precisamos investir tempo e conhecimento na concepção e implementação de ideias edificantes, precavendo-nos apenas da frequente e cômoda tentação de agirmos sem pensar, ou pior, simplesmente pensarmos sem agir. Tão arriscado quanto construir uma casa sobre areia é realizar qualquer ato sem o devido lastro no olimpo das ideias. Note-se que a consumação de um ato está condicionada ao desempenho de um ator, considerando-se que ator é aquele age. Ator fora de cena refere-se àquele profissional da representação (teatro, cinema, televisão, etc) que, eventualmente, aproveita o ócio criativo.

Sabiamente expressou-se Charlie Chaplin ao afirmar que "O homem continua vivo mesmo sem sonhos, mas deixa de existir". Do mesmo modo, Shakespeare não estava sendo metafórico quando, próspero, disse: "Nós somos feitos da mesma matéria dos sonhos". Cito como exemplo minha sogra, Liquinha Passos, que acreditou nessa potência. No início dos anos 60, ganhando apenas Cr$ 20 (vinte cruzeiros), sonhou em comprar uma casa em Viçosa do Ceará, onde morava, avaliada em Cr$ 800 (oitocentos cruzeiros). E, se é verdade que os sonhos têm a bênção do Universo, ela negociou uma estratégia de compra do aludido imóvel e nele residiu por  muitos anos. Atualmente, esse prédio compõe a rede hoteleira da exuberante e acolhedora Viçosa do Ceará.

Por que essa energia eletrizante impulsiona determinadas pessoas para tão longe, enquanto outras pouco progridem, e ainda há um imenso grupo que patina no mesmo lugar durante toda a vida? De fato, não é a energia em si que nos impulsiona. Somos nós que aplicamos a força dessa energia para o alcance dos fins desejados. A energia elétrica, que fica adormecida na tomada, permanece inoperante até que seja demandada por algum equipamento. Enquanto isso não acontece, nós, os adultos, devemos intensificar os cuidados com nossas crianças, exatamente por não enxergarem o poder invisível que se esconde por trás daqueles inocentes furinhos. Quem não acredita nas próprias capacidades não percebe que os limites são flutuantes e temporários e só existem para quem os vê.

As respostas para alguns questionamentos no parágrafo anterior são encontradas, abundantemente, na prática psicanalítica com um número expressivo de pacientes. Escutamos relatos envolvendo pais, cuidadores ou outros tipos de influência parental, em que nossos pacientes descrevem formas depreciativas de humilhação, repressão de sonhos e desejos, distorções da autoimagem, aniquilamento dos últimos resquícios do que poderíamos achar de autoestima e respeito por si mesmo, sem contar com o empenho irrestrito dos agressores para garantir o completo fracasso dessas pessoas, que se agarram no que lhes resta de fôlego em busca de ajuda. 

Os que ofendem ignoram que nosso consciente é versado em decodificar palavras, enquanto o inconsciente incumbe-se de converter o discurso verbal e não-verbal em imagens. Quando dizemos, por exemplo, a uma pessoa que ela é imprestável, o inconsciente dela decodificará essa mensagem como uma imagem identificatória. Caso a repetição desse discurso se torne rotineiro, a tendência dessa pessoa é se identificar e se orientar por aquilo que, habitualmente, ouve. "Sou imprestável". E, assim, acredita e age.

Que motivações teriam os que impingem o constrangimento para submeter o outro a tanto sofrimento? Manobras inconscientes resgatam fantasias infantis que nos levam a acreditar que, se provocarmos no outro as mesmas dores pelas quais passamos, agradaremos e mudaremos aqueles que nos fizeram sofrer e, assim, seremos amados como gostaríamos. Sem nos darmos conta de que estamos reproduzindo experiências negativas já vividas, mergulhamos no que Freud cunhou de compulsão à repetição. Se prestarmos atenção, veremos que somos porta-vozes de um dos nossos pais, especialmente daquele com quem travamos maiores conflitos. O ciclo das repetições cessa quando os conteúdos inconscientes, que desencadeiam sofrimentos pessoais e no próximo tornam-se conscientes através de um competente processo terapêutico.


Viva a espécie humana! Dentre toda a Criação, somos os únicos seres dotados de duas dimensões vitais para a nossa existência: uma cognitiva, que nos faculta
compreender interpretar a realidade que nos cerca e nos influencia; e outra emocional, que nos faz sentir os efeitos das interações com o meio e com nós mesmos. A falta de cooperação entre elas poderá nos condenar a destinos inimagináveis e fatídicos. Por outro, o funcionamento integrado dessas dimensões evoca o poder do ser humano de gerenciar, competentemente, os recursos que asseguram a própria felicidade e, ainda, contribuem para a felicidade de seu semelhante.






Ramos de Oliveira
Psicanalista Clínico
Professor de Psicanálise e Palestrante


Email: ramos.talentos@gmail.com
Av. Santos Dumont, 847 - Sala 303 – Aldeota
Fortaleza - Ceará - Brasil